O Exército indiciou criminalmente três coronéis, um da ativa e dois da reserva, por participarem da elaboração e divulgação de uma carta que pressionava a cúpula da Força a aderir a um golpe depois da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2022.
O inquérito policial militar, aberto pelo Exército em agosto, foi concluído nesta semana. Um quarto coronel, que também foi um dos autores da carta, teve a investigação suspensa por uma decisão judicial liminar, que ainda pode ser revertida.
O relatório do inquérito será enviado ao Ministério Público Militar (MPM), a quem cabe oferecer denúncia à Justiça ou arquivar o caso. Não foram informados prazos para isso.
?O crime sob investigação é o do artigo 166 do Código Penal Militar, que prevê de dois meses a um ano de prisão para o militar que "publicar, sem licença, ato ou documento oficial, ou criticar publicamente ato de seu superior ou assunto atinente à disciplina militar", segundo o MPM.
"O procedimento concluiu que houve indícios de crime militar relacionados a críticas indevidas e incitamento à indisciplina", informou o Exército em nota.
Foram indiciados:
A investigação foi suspensa em relação ao coronel Alexandre Castilho Bitencourt da Silva, da ativa. O processo tramita perante a 2ª Auditoria da 11ª Circunscrição Judiciária Militar, no Distrito Federal.
?Quando uma pessoa é indiciada não significa que ela de fato cometeu o crime em investigação e será condenada, mas que há elementos da suposta prática de atos ilegais.
A defesa de José Otávio Machado Rezo disse, em nota, ter recebido a notícia do indiciamento com "surpresa", mas que está convicta da "total inocência" do coronel da reserva. O advogado afirmou não haver provas sobre a participação do militar aposentado no suposto fato criminoso.
"Acreditamos firmemente que, com uma análise jurídica e factual detalhada, o indiciamento será desconsiderado, reafirmando a idoneidade e a conduta irrepreensível do coronel José Otávio Machado Rezo", diz o comunicado.
O advogado Elder Alves da Silva também defende o coronel Alexandre Bitencourt, que conseguiu suspender o processo contra ele. "A Justiça Federal já reconheceu a ilegalidade da sindicância e declarou nulo esse procedimento. No entanto, chama a atenção o fato de que, no âmbito do Exército Brasileiro, esse reconhecimento de nulidade não foi respeitado", afirma o representante legal.
A defesa de Anderson Lima de Moura disse que ainda não teve acesso aos termos do processo, mas que o cliente está sendo "vítima de uma covarde perseguição política" dentro do Exército. Também afirma não haver provas contra o coronel da ativa e que os atos praticados contra ele são "nulos de direito" e possuem "vícios". Diz ainda aguardar o arquivamento do processo (íntegra da nota).
"Nos parece que o Alto Comando do Exército está agindo de forma politicamente persecutória, praticando, de um modo vergonhoso para uma instituição centenária, o 'fish expedition', com o objetivo ilegal de dar legitimidade a um processo inquisitório, no qual buscam criar autores de uma suposta "carta apócrifa" lançada na internet", diz a defesa.
O g1 procurou o outro investigado, Carlos Pasini, mas não obteve resposta até a última atualização desta reportagem.
Carta levou o Exército a abrir sindicância
✉️Intitulada como a "Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro", o documento foi utilizado como instrumento de pressão ao então comandante do Exército, General Freire Gomes, para que ele aderisse a um golpe de Estado em 2022.
Após as eleições, aliados e simpatizantes de Bolsonaro buscaram alternativas ilegais para mantê-lo no poder.
?A carta com teor golpista entregue ao comando do Exército foi encontrada no celular do tenente-coronel e ex-ajudante de ordens da Presidência Mauro Cid. Os investigadores suspeitam que o documento tenha sido produzido em uma reunião de militares em novembro de 2022.
Após tomar conhecimento da carta, o atual comandante do Exército, general Tomás Paiva, decidiu abrir uma sindicância. O procedimento apurou a participação de 37 militares na produção, assinatura ou disseminação do documento.
Desses, 26 foram punidos com base no Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), incluindo 12 coronéis, 9 tenentes-coronéis, 1 major, 3 tenentes e 1 sargento. Outros 11 não receberam punição. O Exército explica que eles apresentaram justificativas que foram aceitas e, por isso, não foram punidos
A sindicância concluiu que havia indícios de crime na confecção da carta, o que levou o comandante do Exército, general Tomás Paiva, a determinar a instauração do inquérito sobre os quatro coronéis para aprofundar as investigações.
Investigação na PF
A carta também faz parte de uma investigação aberta pela Polícia Federal sobre suposta tentativa de golpe de Estado por parte de Bolsonaro e seu entorno.
Em depoimento sobre o tema à Polícia Federal no início deste ano, o general Freire Gomes, que comandava o Exército em novembro de 2022, confirmou que tomou conhecimento do documento através do setor de Comunicação Social do Exército na época.
Ao ser questionado sobre se a carta foi elaborada para pressioná-lo a aderir ao golpe de Estado, Freire Gomes respondeu afirmativamente, destacando que ordenou investigações em todos os comandos de área para identificar os envolvidos e adotar as medidas necessárias.
O ex-comandante enfatizou que considera inapropriada a participação política de oficiais da ativa das Forças Armadas, como ocorreu com o documento em questão.
Para investigadores da Polícia Federal, a carta é um elemento central nas investigações sobre o envolvimento de militares em uma tentativa de golpe contra o governo democrático.
O que dizem os citados
Leia a íntegra da nota enviada pela defesa do coronel José Otávio Machado Rezo e do coronel Alexandre Castilho Bitencourt da Silva:
A defesa do coronel José Otávio Machado Rezo Cardoso recebeu o indiciamento, com surpresa, mas também com serenidade e está convicta de sua total inocência. Após análise cuidadosa dos autos, concluímos que não há provas ou materialidade que sustentem a acusação, além da evidente ausência de fato criminoso.
É importante destacar que, no caso do coronel Alexandre Castilho Bitencourt da Silva, a quem também representamos, a Justiça Federal já reconheceu a ilegalidade da sindicância e declarou nulo esse procedimento. No entanto, chama a atenção o fato de que, no âmbito do Exército Brasileiro, esse reconhecimento de nulidade não foi respeitado, resultando no indiciamento do coronel José Otávio Machado Rezo Cardoso – mesmo sendo idêntico o procedimento da sindicância em relação a ambos os oficiais.
Além disso, a sindicância que deu origem ao inquérito continua sob o escrutínio da Justiça Federal para revisão de sua legalidade, conforme já apontado pela defesa em outras oportunidades. Acreditamos que a Justiça, em breve, tornará a sindicância nula, assim como já fez em situações similares dentro deste mesmo procedimento investigatório.
Confiamos que, com uma investigação conduzida de forma imparcial e respeitando os princípios constitucionais, a inocência do coronel será amplamente comprovada. A defesa permanece vigilante para assegurar que todas as etapas do processo garantam o contraditório e a ampla defesa, buscando a prevalência da verdade e a absolvição integral do cliente.
Acreditamos firmemente que, com uma análise jurídica e factual detalhada, o indiciamento será desconsiderado, reafirmando a idoneidade e a conduta irrepreensível do coronel José Otávio Machado Rezo Cardoso.
Leia a íntegra da nota da defesa de Anderson Lima de Moura:
Ainda não obtivemos o devido e completo acesso aos autos, tornando difícil uma avaliação mais acurada acerca da correta tipificação penal apontada no IPM, todavia, a defesa acredita que:
(1) o Coronel Anderson Lima de Moura é um militar honrado, com uma ficha disciplinar impecável, e que infelizmente está sendo vítima de uma covarde perseguição política dentro da corporação, tendo a sua honra e imagem violadas.
(2) não há qualquer materialidade, tampouco provas levantadas, que deem qualquer legalidade às conclusões do IPM. Os oficiais investigados já sofreram as devidas penalidades disciplinares no âmbito militar e qualquer pena adicional será considerado "bis in idem".
(3) tanto a Sindicância quanto o IPM, no ponto de vista da defesa, estão vergonhosamente nulos de pleno direito, por vícios de forma e procedimentais, todavia, infelizmente, no Brasil de 2024, não vivemos mais sob a proteção do império da lei tampouco em um Estado de Direito.
(4) nos parece que Alto Comando do Exército Brasileiro está agindo de forma politicamente persecutória, praticando de um modo vergonhoso para uma instituição centenária como o Exército, o "fish expedition", com o objetivo ilegal de dar legitimidade a um processo inquisitório, no qual buscam criar autores de uma suposta "carta apócrifa" lançada na internet, não se sabe por quem, e que, mesmo que o instrumento existisse como um documento válido do ponto de vista jurídico, no texto usado como se prova valida fosse, nas várias e diferentes versões que se encontram juntadas nos procedimentos administrativos, não se observa qualquer crítica ao Alto Comando, tampouco qualquer incitação à quebra de hierarquia.
(5) os Oficiais Generais que conduziram, tanto a Sindicância quanto o IPM, possivelmente, ao que nos parece, estão dolosamente fazendo uma interpretação de um texto, ressalte-se, sem autoria comprovada, para justificar uma narrativa de tentativa de Golpe de Estado, e com objetivo de usar os investigados como uma espécie de exemplo para a corporação.
(6) em uma Democracia de fato é inaceitável o Estado de Exceção Jurídica instalado no País, com o uso das instituições públicas para perseguições políticas, bem como a posição inerte e acovardada do Conselho Federal da OAB na necessária defesa do Estado de Direito e das prerrogativas dos advogados de defesa no presente caso.
Por fim, a defesa aguarda que a Procuradoria Geral da Justiça Militar, órgão jurisdicional com competência técnica e jurídica, em face da total ausência de "Provas Válidas" que comprovem uma materialidade e autoria dos supostos crimes apontados relatório conclusivo do IPM, não apresente denúncia e peça o arquivamento do caso.
Ainda, informo que, após a conclusão do IPM, coincidentemente a Polícia Federal, potencialmente invadindo a competência da Justiça Militar, intimou o Coronel Anderson Lima de Moura para depoimento a ser realizado no dia 06/11, na Sede da PF no Rio de Janeiro, o que, se comprovado, seria mais um abuso de autoridade cometido pelo Estado.
g1
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