61 entidades brasileiras enviaram, na manhã desta quarta-feira (12), uma carta ao novo secretário-geral nomeado da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Mathias Cormann, criticando as políticas ambientais, de direitos humanos e de enfrentamento à pandemia do governo Jair Bolsonaro.
No texto, as entidades – entre ONGs, associações e redes – pedem que essas políticas sejam consideradas caso o Brasil inicie um processo de entrada na OCDE. A organização reúne 37 países e fazer parte dela tem sido meta do governo desde o primeiro ano do mandato de Bolsonaro, em 2019.
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"As atuais políticas ambientais e de proteção de direitos humanos são incompatíveis com o que se espera de um país membro da OCDE e devem ser levadas em consideração num eventual processo de acessão do Brasil à organização", dizem as entidades na carta enviada ao novo secretário-geral nomeado.
O texto afirma que um "voto de confiança ao governo brasileiro neste momento passaria um duro recado àqueles que atualmente lutam pela defesa e pela garantia de direitos no país" e "perpetuaria a situação de ofensa às normas internacionais sobre a proteção do Clima, como o Acordo de Paris".
O novo secretário, Mathias Cormann, assumirá o cargo de chefe da OCDE em 1º de junho, no lugar de Angel Gurría.
Entre as organizações que assinam a carta estão a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Comissão Pastoral da Terra, a Conectas Direitos Humanos, o Greenpeace Brasil e o Observatório do Clima.
Enfrentamento à pandemia
"A crise sanitária, desencadeada pela ausência de resposta apropriada ao enfrentamento da pandemia de Covid-19 por parte do governo federal, levou o País a atingir a marca de mais de 400 mil mortes causadas pela doença até o último dia 30 de abril", dizem as entidades.
As associações pontuam que:
'Leis abusivas'
As entidades também falam em "crise democrática" e "leis abusivas" instituídas pelo governo para "intimidar opositores e vozes críticas":
"O governo desconstruiu diversos conselhos com participação social no âmbito do Executivo, como no caso do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e buscou ativamente adotar medidas que visam restringir o acesso à informação e vias de participação e controle social de políticas públicas", afirmam as entidades.
"Críticos do governo vêm sendo intimidados pelo aparato estatal, como o Ministério da Justiça, Polícia Federal e pelo Gabinete de Segurança Institucional, com o uso da Lei de Segurança Nacional, herança nefasta da ditadura militar para enquadrar opositores e tratar divergências políticas como crime", dizem.
Política ambiental
As entidades criticam a política ambiental do governo, afirmando se tratar de "um dos maiores ataques institucionais às medidas de proteção do meio ambiente, do clima, de povos indígenas, comunidades quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais no país".
Elas citam cinco exemplos de projetos de lei (PLs):
"Se aprovado, isso resultará em degradação e poluição de todos os tipos, inclusive aumento do desmatamento na Amazônia e proliferação de novos desastres ambientais, como os crimes decorrentes da ruptura de barragens de rejeitos do Rio Doce (2015) e Rio Paraopeba (2019)", afirmam as entidades.
"Tudo isso enquanto a sociedade brasileira e a comunidade global acompanham com apreensão o exponencial aumento do desmatamento e das queimadas e incêndios na Amazônia, que atingiu o patamar de 11.085 Km² em 2020, aproximadamente 100 vezes a área de Paris, sede da OCDE", pontuam as entidades.
Veja íntegra da carta:
Aos Senhores
Angel Gurría, Secretário-Geral da OCDE
Mathias Cormann, Secretário-Geral nomeado da OCDE
Cc.: Representantes Permanentes dos Estados Membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
Na oportunidade em que cumprimentamos cordialmente Vossas Excelências, apresentamos a presente carta para chamar atenção para a grave situação na qual se encontram os direitos humanos e socioambientais no Brasil. Atravessamos atualmente uma das maiores crises sanitárias e democráticas de nosso país com diversos ataques e destruição de proteções e garantias de direitos.
A crise sanitária, desencadeada pela ausência de resposta apropriada ao enfrentamento da pandemia de Covid-19 por parte do governo federal, levou o País a atingir a marca de mais de 400 mil mortes causadas pela doença até o último dia 30 de abril. O presidente Bolsonaro constantemente menosprezou a gravidade da doença, apoiou o uso de tratamentos ineficazes e sem comprovação científica, ignorou a urgência na compra de vacinas, atacou governantes locais que adotavam medidas de enfrentamento à pandemia, estimulou aglomerações e desencorajou a utilização de máscaras e o isolamento social como medidas de contenção do contágio, conforme pesquisa1 realizada pela Conectas Direitos Humanos, em parceria com o Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário, que analisou a atuação do governo federal e falas públicas do presidente.
Enquanto enfrentamos a pandemia de Covid-19, também vivemos uma grave crise democrática, com ataques ao espaço de atuação e de participação da sociedade civil e uso de leis abusivas2 para intimidar opositores e vozes críticas ao governo. Desde o primeiro dia do governo Bolsonaro, em janeiro de 2019, a sociedade civil vem sofrendo ataques, tanto verbais como institucionais3. O governo desconstruiu diversos conselhos com participação social no âmbito do Executivo, como no caso do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e buscou ativamente adotar medidas que visam restringir o acesso à informação e vias de participação e controle social de políticas públicas. Críticos do governo vêm sendo intimidados pelo aparato estatal, como o Ministério da Justiça, Polícia Federal e pelo Gabinete de Segurança Institucional, com o uso da Lei de Segurança Nacional, herança nefasta da ditadura militar para enquadrar opositores e tratar divergências políticas como crime.
Além disso, estamos lidando com um dos maiores ataques institucionais às medidas de proteção do meio ambiente, do clima, de povos indígenas, comunidades quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais no país. No início de 2021, o presidente Jair Bolsonaro entregou à presidência da Câmara dos Deputados e do Senado Federal uma lista de Projetos de Lei (PL) elencados como prioritários para votação neste ano. Espera-se que seja aplicado um rito acelerado, de votação com urgência, o que é inapropriado para temas tão complexos. O debate público, a incidência e a participação por parte da sociedade civil junto ao Legislativo estão extremamente limitadas pelas restrições sanitárias impostas pela pandemia.
Na lista de prioridades do governo, não há nenhuma proposta de ampliação da proteção socioambiental para o país. Ao contrário, há vários projetos de lei de autoria do próprio executivo e de parlamentares da bancada ruralista que podem macular por completo o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, garantido pelo artigo 225 da Constituição Federal brasileira, bem como o enfrentamento da emergência climática, principal preocupação global na atualidade.
A primeira proposta, PL no 191/2020, pretende permitir atividades de significativo impacto como por exemplo garimpos e outros empreendimentos minerários, instalação de hidrelétricas e exploração de gás e petróleo dentro de Terras Indígenas, as mais preservadas do país e com maior estoque de carbono. A segunda, PL no 3.729/2004 na Câmara e sua correspondente no Senado, PL no 168/2018, pretendem desconstituir o licenciamento ambiental e a Avaliação de Impactos Ambientais, os principais e mais consolidados instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei o 6.938/1981). Se aprovado, isso resultará em degradação e poluição de todos os tipos, inclusive aumento do desmatamento na Amazônia e proliferação de novos desastres ambientais, como os crimes decorrentes da ruptura de barragens de rejeitos do Rio Doce (2015) e Rio Paraopeba (2019). A terceira, PL no 2.633/2020 na Câmara e sua correspondente no Senado, PL no 510/2021, pretendem legalizar ocupações irregulares de grandes áreas de terras públicas, de caráter especulativo (“grilagem”), inclusive os casos mais recentes. Tudo isso enquanto a sociedade brasileira e a comunidade global acompanham com apreensão o exponencial aumento do desmatamento e das queimadas e incêndios na Amazônia, que atingiu o patamar de 11.085 Km2. em 2020, aproximadamente 100 vezes a área de Paris, sede da OCDE (105.4 km2).
Além dessas ameaças, avançam no Congresso Nacional outras proposições legislativas com graves ameaças aos direitos socioambientais e à estabilidade climática. O governo federal vem também aprovando proposições no Congresso e regulamentos relativos à liberação de armas no Brasil, com especial facilitação à posse de armas por grandes fazendeiros, aumentando assim o clima de tensão e violência no campo.
Se a situação ambiental no Brasil se configura como absolutamente fora de controle, ante as altas taxas de desmatamento na Amazônia e o descumprimento das metas climáticas assumidas na COP de Copenhague para 2020 e no Acordo de Paris, a eventual aprovação das referidas proposições legislativas significará a pá de cal no desmantelamento de instituições e políticas de proteção socioambiental - o que inclusive já foi objeto de denúncia por parte da sociedade civil no âmbito da Revisão da Política de Conduta Empresarial Responsável (RBC) da OCDE para o Brasil em 2020.
Uma das prioridades da política externa e econômica brasileira é o processo de acessão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nesse sentido, o governo brasileiro vem investindo na adesão aos instrumentos legais da organização e no engajamento ativo com seus diversos Comitês. No entanto, as atuais políticas ambientais e de proteção de direitos humanos são incompatíveis com o que se espera de um país membro da OCDE e devem ser levadas em consideração num eventual processo de acessão do Brasil à organização.
Caros representantes, a condução atual das políticas socioambientais e de direitos humanos no Brasil não pode ser referendada por esta organização. Um voto de confiança ao governo brasileiro neste momento passaria um duro recado àqueles que atualmente lutam pela defesa e pela garantia de direitos no país, que arriscam suas vidas diariamente em nome da proteção do meio ambiente e de suas liberdades fundamentais, enquanto perpetuaria a situação de ofensa às normas internacionais sobre a proteção do Clima, como o Acordo de Paris. É preciso garantir um forte compromisso por parte do Estado no âmbito das negociações para acessão e isso pode vir através de um roadmap robusto, com avaliação de comitês-chave, que consultem a sociedade civil e comunidades afetadas por essas políticas, realizem uma rigorosa análise das legislações, políticas e a práticas governamentais do país e estabeleçam padrões altos de governança a serem implementados domesticamente.
No âmbito do processo de transição do comando do Secretariado da OCDE, salientamos a importância do atual Secretário-Geral, Sr. Angel Gurría, indicar ao seu sucessor, Sr. Mathias Cormann, nossas preocupações com o desmantelamento das políticas ambientais no Brasil e da grave crise sanitária e democrática que vivemos atualmente. Desejamos ao Sr. Cormann sucesso no seu termo como Secretário-Geral e também solicitamos que sejam objeto de atenção de Vossa Excelência os temas apontados nessa comunicação como prioridade da sua agenda durante seu mandato.
O processo de acessão do Brasil à OCDE, caso iniciado durante seu termo, não deve, de maneira alguma, ser uma chancela à condução das políticas socioambientais e de direitos humanos do atual governo brasileiro. Sugere-se que, caso avance o processo de acessão, seja adequadamente contemplada a garantia de proteção do meio ambiente, do clima, dos povos indígenas, comunidades quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais. Recomenda-se especial atenção no que toca à retomada das políticas públicas que lhes conferiam proteção, ao não retrocesso na legislação socioambiental brasileira, além da promoção do espaço democrático.
Atenciosamente,
G1
Portal Santo André em Foco
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